Em abril de 2017, o Maranhão se tornou referência no SUS: foi o primeiro estado a oferecer tratamento baseado na análise do comportamento aplicado (ABA) para crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Pouco mais de dois anos depois, essa realidade será ampliada: o Centro Especializado em Reabilitação e Promoção da Saúde do Olho d’Água (CER Olho d’Água), que oferece o serviço, ganhará um anexo.
Atualmente, o CER Olho d’Água atende cerca de 100 crianças de até 12 nos na modalidade intensiva, com o serviço condensado em duas salas: uma para intervenção individual e outra para atividades coletivas. Com o novo espaço, serão 5.304 m² de novas oportunidades. “Teremos novas modalidades de atendimento. Vamos poder ensinar à criança o comportamento que é esperado dela dentro da rotina da casa”, comemora Flávia Neves, coordenadora do serviço especializado a pessoa com TEA do CER Olho d’Água.
A ABA é uma ciência aplicada que se mostrou eficaz na solução de problemas de origem comportamental e social. Quando utilizada em pacientes com autismo, é possível reduzir comportamentos identificados como problemáticos e ensinar habilidades sociais. No CER Olho d’Água, as crianças passam por 7 horas e meia de tratamento intensivo por semana, aos cuidados de uma equipe multiprofissional. As habilidades ensinadas são das mais variadas às mais básicas como, por exemplo, aprender a não se agredir, a ficar sentado como em um ambiente de sala de aula ou a ter autonomia para usar o banheiro sozinho.
De acordo com Flávia Neves, quanto mais cedo é iniciada a intervenção, maior a chance de sucesso no tratamento. “Quando o paciente chega na intervenção precoce, a probabilidade dele se engajar em comportamentos problemas é menor, porque já começamos ensinando comportamentos funcionais à criança, que são apropriados no contexto social”, explica.
Uma vez dentro do serviço, as crianças são constantemente reavaliadas, para identificar se os objetivos da intervenção estão sendo alcançados. Durante todo o processo, os pacientes são acompanhados por psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psiquiatra infantil, educador físico e profissional de música.
O novo anexo do CER terá mais salas de atendimento, cozinha e quarto funcional para oferecer ensino de habilidades naturalísticas às crianças, além de vasta área de convivência para atividades ao ar livre. Na entrevista abaixo com a coordenadora Flávia Neves, é possível saber mais sobre a terapia ABA e como vai funcionar o tratamento para TEA no anexo.
Por que o ineditismo de implantar terapia ABA no SUS?
Flávia Neves – Esse foi um modelo bastante planejado por nós, com base na eficácia dos tratamentos com ABA. Nós não importamos esse modelo de lugar nenhum. Ele é baseado nas nossas experiências de laboratório, de intervenção em ambientes controlados, e em intervenções em contexto de sala de aula. Isso não é comum no Brasil. Quando se fala em ABA, geralmente é contexto de mesinha, de um para um. Fizemos os dois modelos. Uma sala para intervenções em grupo e outra sala para atendimentos individuais. E o modelo funciona. O paciente vem todos os dias para o serviço. Ele passa 1 hora e meia em acompanhamento. Por semana, são 7 horas e meia de intervenção. O ineditismo é pela intensidade da intervenção e pela metodologia da intervenção. No SUS os pacientes são atendidos pontualmente pelos profissionais individualizados. Não existe uma integração. Aqui há um objetivo terapêutico comum, com todos os profissionais falando a mesma língua para instalar repertórios mais funcionais no indivíduo.
Existe uma idade correta para iniciar o tratamento com ABA?
Flávia Neves – Estamos focando hoje a intervenção precoce, porque já existem protocolos no SUS que estão orientando os profissionais da área médica a identificar o mais cedo possível os sinais de atraso. Quanto mais cedo o diagnóstico, melhores os resultados. O nosso serviço atende crianças desde 1 ano e meio a 12 anos, uma vez que foram diagnosticadas. Separamos as modalidades de intervenção pelo nível de desenvolvimento e também por idade. Então, uma criança que chega muito pequena, o modelo de intervenção é diferente da criança que chega com 7 anos, que é diferente do modelo da criança que chega com 10 anos.
O que é possível o paciente aprender por meio da abordagem com ABA?
Flávia Neves – O objetivo da ABA é produzir autonomia, independência, autogerenciamento. E isso requer muitas horas de intervenção. Nenhum grau de autismo é igual ao outro, mas é possível diminuir comportamentos agressivos e autolesivos e ensinar comportamentos funcionais para esse indivíduo. No caso do paciente cujo foco é a instalação do comportamento verbal, a gente busca ensinar habilidades pivotais, que é imitação, contato visual, seguir instruções, para culminar no desenvolvimento de fala. Mais tarde, para esse indivíduo que vai crescendo, a gente vai ensinando repertório de comportamento de sala de aula. E, quanto maior essa criança fica, nós vamos ensinando habilidades funcionais de vida prática, como por exemplo, arrumar o quarto, lidar com a própria roupa, lidar com a higienização, lidar com o alimento, comer sozinho, e até preparar seu próprio lanche.
Quais modalidades de tratamento serão realizadas no anexo?
Flávia Neves – Nós já trabalhamos com modalidade de treino incidental, onde colocamos a criança em contato com o mundo, mas em um formato muito natural, próximo ao que a criança vivencia no ambiente dela, com atividades em grupo. Também temos o ensino de habilidades a partir de tentativas discretas, que é um ambiente mais formal, controlado pelo terapeuta e realizado em cabines individuais. Com a casa, vamos iniciar a modalidade naturalística, onde o paciente vai aprender habilidades da rotina diária em um contexto clínico, mas que é muito próximo de um contexto natural da vida prática. Teremos uma cozinha e um quarto funcional, para ensinar essas habilidades. Isso vai facilitar o aprendizado e garantir resultados mais duradouros.
FONTE – MA.GOV.BR